Hoje faz 13 anos que aconteceu o acidente entre o Gol 1907 e o Legacy

O acidente entre o Gol 1907 e o Legacy aconteceu no dia 29/SET/2006.
Reflexão - Boa leitura:
Há 13 ANOS.
O Coronel Av Rufino Ferreira, na época Chefe da Divisão de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos do DAC, estava em casa pouco antes das 19h daquela sexta-feira, quando recebeu uma ligação do colega Valter Chagas Filho, chefe de segurança de voo da Gol Linhas Aéreas.
- Rufino, tudo bem? Preciso da sua ajuda..., estamos com uma aeronave desaparecida!
Imediatamente Rufino entrou em contato com o Chefe do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA)
Cel Av Prado, onde deu-se o seguinte diálogo:
- Oi Prado, é o Rufino, vocês já estão cientes?
- Oi, Rufino, cientes de quê, do Legacy?
- Legacy? Que Legacy? Estou falando do Gol.
- Gol, que Gol?
Na base aérea da Serra do Cachimbo, no Sul do Pará, o Embraer Legacy N600XL - um jato novinho em folha recém adquirido pela ExcelAire, empresa de taxi aéreo de Nova Iorque, acabara de fazer um pouso de emergência depois que os pilotos sentiram um estrondo no ar e perderam parte da estabilidade do jato. O "November 600XL" tocou a pista com um pedaço do winglet (ponta da asa) e do estabilizador horizontal danificados. Os pilotos americanos Joseph Lepore e Jean Paladino, além de outros passageiros sabiam que tinham batido em algo, mas não encontravam uma resposta concreta. Enquanto os militares do "Cachimbo" averiguavam passaportes e a documentação dos americanos, controladores de Brasília não se entendiam com os colegas do Centro de Controle de Voo de Manaus, de onde o Boeing 737-800 da Gol que cumpria o voo GLO 1907 decolara rumo a capital do país.
- Manaus, onde está o Gol que não nos chamou até agora?
- Brasília, não tem nenhum Gol aqui (no radar).
- Como não? Tem que ter! Cadê o GOL Uno Nove Zero Sete, (aeroporto de Manaus) Eduardo Gomes - Brasília?
Não demorou para que as autoridades aeronáuticas fizessem a correlação entre o choque do Embraer e o desaparecimento do 1907. Na base aérea do Cachimbo, o oficial de dia foi até a sala onde os tripulantes do jato ainda tentavam entender o susto a bordo.
- Senhores, um voo comercial de passageiros que ia na rota oposta a de vocês está desaparecido.
Os americanos arregalaram os olhos e sentiram um forte calafrio. E abaixaram a cabeça.
O brasiliense Marcelo Paixão era um dos passageiros do 1907 e sua namorada, Luciana, o aguardava no aeroporto de Brasília. Enquanto esperava e estranhava a demora do pouso, a Gol confirmou oficialmente o desaparecimento de seu Boeing. Luciana ligou para Dona Creusa Paixão Lopes, mãe de seu namorado. Quando a sogra atendeu, Luciana não conseguia organizar frases e chorava. Dona Creusa olhou para a tv e viu um boletim extraordinário que noticiava o desaparecimento do avião que trazia seu filho. As pernas de Dona Creusa tremeram. Ela finalmente compreendeu o desespero da nora.
Com a escuridão da floresta as buscas pelo Gol só começariam ao amanhecer de sábado. Foram acionados os meios de busca, uma aeronave da Força Aérea vinda de Anápolis com capacidade para identificar ainda na madrugada metais e calor sob as árvores de mais de 25 metros da região, nas redondezas de onde se dera o último contato radar do Boeing. Às 6 da manhã um Hércules C-130 da FAB pousou na Serra do Cachimbo trazendo tropas do ParaSar, grupo de elite da Aeronáutica especializado em salvamento e sobrevivência na selva. O nome é uma mistura da palavra 'paraquedas' com as siglas do termo em inglês 'busca e resgate' (Search And Rescue). O Hércules nem chegou a cortar os motores. Assim que os combatentes-SAR desembarcaram, decolou em busca de sinais do Uno Nove Zero Sete.
Os militares iam com a esperança de que o Gol tivesse tentado um pouso de emergência na mata, a exemplo do que ocorrera com um Varig 17 anos antes em que apesar de 12 mortes, 42 pessoas sobreviveram. A localização do Gol ocorreu em menos de 10 minutos. Mas em vez de avistarem uma longa clareira horizontal com árvores derrubadas - um sinal de pouso - vizualizaram alguns pontos abertos e arredondados na mata. Era a certeza de que o jato teria se desintegrado em várias partes ainda no ar e desabado na vertical, o que praticamente impossibilitava a existência de alguém vivo.
Baixados ao solo pelo guincho dos helicópteros H1-H, os "combatentes-Sar" tinham como prioridade a busca por eventuais sobreviventes. Outra tarefa urgente era abrir uma clareira na mata densa para que os helicópteros pudessem pousar. No quartel-general improvisado na Fazenda Jarinã, a 45 quilômetros do local da queda, o Major-brigadeiro Jorge Kersul - do CENIPA - entrou numa sala onde se reuniria com o a tropa do PARASAR, Comandada pelo Cel Moreira Lima, onde o número 154 foi escrito em um quadro.
- O lema do ParaSar é "não deixamos ninguém para trás". Então a missão era resgatar esses 154 brasileiros e levá-los até seus familiares!
Além do infortúnio de recolher corpos, os militares lidavam com desafios naturais da floresta: muito calor, alta umidade, animais peçonhentos, piolhos. Mas quem mais ameaçou o grupo foi um inseto de menos de 2 centímetros.
O suor dos soldados atraía as abelhas, que pousavam sobre as fardas. A medida em que os militares se movimentavam com o trabalho braçal, o tecido do uniforme dobrava e prensava os insetos, que se assustavam e picavam. A tropa do ParaSar precisou fechar as mangas e golas do uniforme com fitas isolantes. A medida não foi suficiente para evitar vários casos de choque anafilático por conta das picadas.
O ParaSar estava obcecado em cumprir a missão. Numa roda, alguns falavam sobre as armadilhas da selva. Um dos integrantes pediu a palavra:
- Companheiros, aqui tem muita dificuldade, não resta dúvida. Mas dificuldade maior é a dos parentes das vítimas, que aguardam restos mortais.
Outro desafio: as cãimbras, já que os soldados perdiam sais. Árvores grossas a serem derrubadas, motoserras pesadas e os esforços que faziam carregando corpos, puxando cordas e componentes dos destroços. Tudo contribuía para o esgotamento. Havia uma escala de revezamento de turnos entre a tropa. Mas uma espécie de motim foi criada. Muitos queriam dobrar de turno e avançar no serviço braçal para acelerar as buscas e diminuir a agonia dos parentes das vítimas. O coronel Moreira Lima, comandante do ParaSar, ouviu o apelo de seus comandados:
- Coronel, a gente vai ficar.
- Negativo, vocês vão embora para a fazenda descansar. Porque senão daqui a pouco vocês ficarão doentes e serão vítimas também.
O resgate do Voo 1907 foi a maior operação de busca da Força Aérea Brasileira. Na cadeia de erros que culminou na tragédia, o Gol era o único sem responsabilidade alguma pelo acidente. O mesmo não podia se dizer dos controladores de São José dos Campos e Brasília, além dos pilotos americanos.
O avião executivo da Embraer decolou no inicio da tarde da sexta, 29 de setembro de 2006, de São José dos Campos rumo a Nova Iorque com escalas em Manaus e na Flórida. A torre de São José repassou os níveis de altitude que o Legacy deveria seguir sem que os americanos confirmassem o entendimento sobre os limites da autorização. Na linguagem aeronáutica, Lepore e Paladino deveriam 'cotejar' a instrução. O Legacy tinha que seguir, inicialmente no nível de altitude 37000 pés - ou 370 como os aeronautas abreviam - até a capital do país e a partir da vertical de Brasília descer para o nível 360 ou 36000 pés. O voo transcorria em espaço aéreo RVSM, o mais alto nível de controle de tráfego aéreo, sob a coordenação do CINDACTA I, em Brasília. Nesse tipo de controle , a aeronave apenas segue as instruções do controle, sem modificar seu voo, a menos que instruído. Os americanos não receberam nenhuma instrução para mudar o nível de voo. Como também não contactaram o Controle de Tráfego, não desceram para o nível 360. E incrivelmente, o controlador de Brasília não abordou o "November" pelo rádio.
A rotas aéreas são aerovias que se assemelham a uma ferrovia com duas linhas. A diferença é que na aerovia os aviões passam um sobre o outro, separados apenas por uma altitude de pouco mais de 300 metros. Como dizem os aviadores, separados apenas pelos níveis de voo. Lepore e Paladino pareciam desconhecer a regra que obriga aeronaves que voam na proa entre 0 e 180 a seguir em altitude nível ímpar. Ao fazer uma ligeira curva à esquerda quando cruzasse Brasília rumo a Manaus pela aerovia UZ6, o Embraer N600XL deveria ter recebido uma instrução para descer para o nível 360, par. Também não estranhou, nem questionou o controle. Embraer e Gol estavam neste momento em rota de colisão.
Mesmo assim havia ainda 55 minutos - uma eternidade - para se corrigir o erro. Mas na aviação todo acidente é causado por uma sequência de erros, é o que chamam de efeito dominó. Momentos após sobrevoar a capital, o dispositivo eletrônico que emite sinais do avião para os radares, chamado de transponder, se tornou inoperante no jatinho. A investigação não conseguiu confirmar como o transponder foi desligado, mas considerou a hipótese mais provável, que isso tenha sido feito inadvertidamente pelos americanos, passando o equipamento para o modo stand-by. Os pilotos alegariam depois que não mexeram no mesmo. Nesse mesmo instante houve uma troca de turno entre o controladores que deveriam monitorar o Embraer no Centro de Controle de Brasília.
O efeito dominó ganhava outra peça: Joseph Lepore e John Paladino decolaram de São José dos Campos com cartas de navegação desatualizadas. Essas cartas trazem inforações vitais como dados da rota a ser seguida e as frequências de rádio que os pilotos deveriam usar para se comunicar com cada centro de controle ao longo da viagem. Na frequência errada o Embraer não conseguia falar com Brasília. Nem vice-versa. Em reportagens do período alguns "especialistas" falavam na existência de um buraco negro para as comunicações via rádio na Amazônia. Mas na frequência errada, rádios não se comunicam em lugar nenhum do planeta. Apesar da frequência errada, o investigação mostrou que as chamadas sem sucesso do November foram recebidas e armazenadas no Centro Brasília. Entretanto, naquela época, cada controlador só conseguia receber um máximo de 8 frequências. Outras 30 existentes não chegavam em tempo real. É como ligação telefônica que cai direto na caixa de mensagem sem que o telefone toque.
A salvação não dependeria exclusivamente desses fatores. Aeronaves possuem um equipamento de segurança que permite a comunicação entre si e não se choquem. O "T-CAS" emite sinais para aviões em rota de colisão e disparam alarmes na cabine com ordens de desvio para os pilotos. Sigla em inglês para Traffic Collision Avoidance System. Para o T-CAS funcionar, os transponders das duas aeronaves tinham que estar ligados e, como vimos, o do Legacy estava em stand-by.
A bordo do Gol, o comandante Décio Chaves, de 44 anos e o copiloto Thiago Jordão conversavam animadamente sobre amenidades quando ouviram um grande estrondo. O Boeing levara a pior na colisão com o Legacy. Imediatamente soaram o alarme de piloto automático desligado e tantos outros. O mais intermitente era o de 'bank angle', ou ângulo de inclinação. Jordão gritava enquanto Decio, mantendo a calma e tentando controlar o Boeing, apenas repetia:
- Calma, calma!
O Gol despencava a 11 mil metros de altitude, sem que seus pilotos pudessem ter entendido, que haviam perdido 6m da asa esquerda e, apesar de lutarem bravamente para recuperar o controle do avião, nada mais poderia ser feito.
Mais de 1 mês após o início da operação, homens do ParaSar ainda faziam buscas na selva e se sentiam incomodados com a ausência do corpo do passageiro Marcelo Paixão, que viajava na poltrona 17-Charlie do Gol, exatamente na direção das asas. Em 20 de novembro daquele ano, quando se comemora aniversário do grupamento, as buscas foram encerradas oficialmente. Apesar de receber congratulações pelo trabalho, o Coronel Moreira Lima desabafou com seus superiores.
- Estamos muito incomodados, deixamos um para trás.
No dia seguinte, Moreira Lima recebeu uma ligação do chefe do Cenipa, Jorge Kersul:
- Lima, o Doutor Samuel Ferreira, médico-legista do IML de Brasília acaba de confirmar o reconhecimento de material biológico do Marcelo Paixão. O ParaSar de fato não deixou ninguém para trás.
Pai de Marcelo Paixão, Seu João Lopes da Cruz resumiu a notícia.
- Foi uma alegria dentro da tristeza, se é que isso existe. Como seria minha vida se não encontrassem o corpo do meu filho?
Anos depois, Moreira Lima, comandante do ParaSar andava num shopping center de Brasília quando ouviu a voz de uma senhora:
- Coronel, coronel!
- Lima olhou para trás e não reconheceu a mulher que o chamava pela sua patente.
- Coronel, o senhor não me conhece. Eu sou a Dona Francisca, tia do Marcelo Paixão.
Nada mais foi dito. Moreira Lima e Dona Francisca se abraçaram. Choravam no meio do shopping.
O nome de Marcelo Paixão ficará por muito tempo gravado na mente dos combatentes-Sar, como uma espécie de significado e justificativa do treinamento, da entrega e dos sacrifícios vividos por cada um daqueles soldados de elite.
Após o acidente do Gol 1907, que completa 13 anos neste 29 de setembro, o governo brasileiro aumentou ainda mais o investimento em segurança de voo.
A perda das 154 vidas, que jamais serão substituídas, não foi em vão. Dolorosamente, a um incalculável preço de sofrimento, os esforços das investigações trouxeram, como sempre, oportunidades de correções e melhorias ao progresso da aviação mundial.
O Brasil é um dos líderes mundiais nesse quesito, de acordo com a Organização Internacional de Aviação Civil - ICAO.
Autor desconhecido
Pra quem quiser conhecer mais sobre os bastidores de tudo o que aconteceu nessa tragédia, recomendo o livro Ninguém Ficou Para Trás, de Maria Tereza Kersul.
Sinto demais pelas pessoas que se foram prematuramente nesse episódio. Que Deus possa consolar a dor de quem perdeu seus entes.
Não era pra acontecer, mas não foi em vão. A aviação subiu mais um degrau em matéria de segurança.

Bons voos pra gente

Fleming 

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